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Religiosos e pesquisadores debatem em um terreiro a repatriação de objetos sagrados do Batuque levados do Rio Grande para Berlim no século XIX
30/10/2025
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Em um encontro inédito realizado na Casa de Oxum Taladê - da ialorixá Mãe Graça de Oxum, no bairro Getúlio Vargas, no Rio Grande, pesquisadores e religiosos de matriz africana discutiram a repatriação de objetos sagrados ligados ao Batuque — tradição religiosa afro-gaúcha — que foram confiscados no século XIX e enviados a Berlim, na Alemanha. A roda de conversa, na noite de quarta-feira (29), integrou a programação da Semana contra a Intolerância Religiosa e do Novembro Unificado, e marcou o tema tratado dentro de um terreiro de religião afro-brasileira por pesquisadores.
Os objetos, que incluem colares, coroas, esculturas em madeira e outros elementos litúrgicos, foram apreendidos por autoridades policiais por volta de 1880, durante uma cerimônia de Batuque no município do Rio Grande. O material foi posteriormente doado por Guilherme Pitzker, comerciante e maçom alemão que atuava na região, ao recém-criado Museu Etnológico de Berlim, onde permanece até hoje, sem nunca ter sido exposto ao público.
A história e o processo de pesquisa sobre a chamada Coleção Pitzker foram apresentados pelo arqueólogo Lúcio Menezes Ferreira, professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e pelo historiador Vinícius Pereira de Oliveira, professor do IFSul e doutor em História pela UFRGS, a religiosos de matriz africana, incluindo a Mãe Graça de Oxum, ialorixá da Casa Oxum Taladê, e integrantes da Secretaria da Cultura e Economia Criativa (SMCEC), como a secretária Rita Rache e a adjunta da pasta, Janice Hias, e o coordenador de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Chendler Siqueira, que também é o presidente do Conselho dos Povos de Terreiro no Rio Grande. Os pesquisadores desenvolvem um estudo conjunto que busca compreender as origens do Batuque e promover a restituição simbólica e física das peças, consideradas patrimônio da cultura afro-brasileira.
Durante a fala, Vinícius destacou que o debate “ultrapassa o campo religioso” e representa um movimento de reconstrução da memória coletiva. “Essas peças não pertencem apenas ao Batuque, pertencem à história do povo negro no sul do país. É um patrimônio que foi silenciado, e que agora volta a ser contado pelas próprias vozes que o originaram.”
O arqueólogo Lúcio Menezes lembrou que há precedentes internacionais de repatriações semelhantes — como o caso do manto Tupinambá, devolvido ao Brasil pela Áustria — e afirmou que “há expectativa positiva de diálogo entre os governos brasileiro e alemão”, destacando que a mobilização de pesquisadores, movimentos sociais e povos de terreiro é essencial para que o processo avance.
A secretária Rita Rache frisou a importância simbólica da iniciativa, ao dizer que “resgatar esses objetos é mais do que uma ação patrimonial — é uma forma de reparação histórica e reconexão com nossa ancestralidade” Afirmou que o poder simbólico dessa discussão dentro de um terreiro representa resistência, reconhecimento e dignidade.
O encontro na Casa Oxum Taladê é o primeiro de uma série de rodas de conversa que visam sensibilizar a comunidade, pesquisadores e gestores públicos sobre a repatriação. A proposta é ampliar o diálogo para outros terreiros e espaços culturais, reunindo diferentes segmentos da sociedade, instituições de ensino e representantes do poder público.
Novas discussões
Como continuidade das discussões, o grupo anunciou a realização de uma nova roda de conversa e exposição fotográfica com imagens das peças da Coleção Pitzker, entre 22 de novembro e 14 de dezembro, no Espaço Barca Aberta, em Porto Alegre. O evento será aberto ao público e reunirá estudiosos, lideranças religiosas e representantes políticos, reforçando o caráter coletivo e reparador dessa mobilização. A mesma exposição está programada para ocorrer no município do Rio Grande, em data a ser confirmada, adiantou a secretária da SMCEC.
“A ideia é fazer com que a sociedade reconheça o valor dessas peças e dessa história, que é a nossa própria história. É um chamado à memória e à justiça”, concluiu o historiador, conhecido na religião como Vinícius de Xangô-Aganjú.
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