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Novembro Negro - Perspectivas sobre saúde quilombola e a psicoquilombologia são discutidas em simpósio na Prefeitura

27/11/2025

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Um dos momentos marcantes durante o Simpósio de Formação em Saúde da População Negra 2025: Território, Cura e Cuidado, realizado na tarde de quarta-feira (26), foi a participação da psicóloga quilombola Charlene Bandeira, 33 anos, integrante da comunidade Macanudos, localizada na Quintinha, interior do município do Rio Grande. Em sua apresentação na mesa “Populações Quilombolas, Povos de Terreiro e Migrantes Africanos: desafios e caminhos para a equidade no SUS”, ela trouxe uma abordagem sensível e embasada sobre as especificidades do cuidado em saúde mental na perspectiva quilombola e apresentou o conceito sobre piscoquilombologia.

A profissional relatou sua trajetória enquanto mulher quilombola, liderança comunitária e primeira mulher de sua comunidade a concluir o ensino superior na Universidade Federal do Rio Grande (Furg). Destacou que sua identidade antecede sua formação acadêmica, pois antes de ser psicóloga, já era “obinrim de Oyá” - filha de Oyá -, pertencente a um ilê e liderança na comunidade. Por isso, “me reconheço como psicóloga quilombola”, argumentou.

Durante a graduação, Charlene desenvolveu, junto com uma colega, o conceito de psicologia quilombola, denominado psicoquilombologia. Sobre a construção desse campo de atuação, afirmou que trabalha as questões de saúde mental com base nesse conceito, construindo metodologias de cuidado a partir da ancestralidade e do cuidado que possuíam as nossas (pessoas) mais velhas.” A pesquisadora também realizou mestrado na Universidade Federal Fluminense (UFF), no Rio de Janeiro, aprofundando essa perspectiva.

Charlene explicou como o conceito se manifesta na prática. Disse que a Psicologia, de forma genérica, significa estudo da subjetividade. “Só que existe um povo no Brasil, só um povo, que foi considerado sem alma. Esse povo é o povo negro, é o povo quilombola.” Ela relatou que, enquanto estudante, observava que as referências negras apareciam apenas em situações de adoecimento mental. A partir dessa constatação, passou a investigar o que sustentava historicamente essas comunidades. Assim, começou a escutar mais fora da perspectiva do adoecimento e do transtorno mental.

Para Charlene, o território é elemento central da saúde quilombola: “Se a gente tem território, a gente planta, pensa, nossas crianças correm livres, fazem o que querem, crescem pertencentes à cultura deles. Conseguimos manter uma memória e uma cultura que garante não só a nossa existência enquanto comunidade, mas garante uma pedagogia, uma psicologia, uma saúde quilombola.”

Hoje, a psicóloga atua na construção de espaços de saúde afro-referenciada, que articulam saberes tradicionais e conhecimentos acadêmicos. Ela afirma que é um espaço que vai pensar o cuidado integral e terapêutico a partir das medicinas tradicionais, mas também da medicina acadêmica, numa confluência entre as duas.

Racismo e o sofrimento mental

Questionada sobre diferenças nos padrões de adoecimento mental da população negra, a psicóloga foi categórica: “Quando passamos essa régua dos problemas de adoecimento mental, vemos sempre que a população negra é a mais acometida. Mas por quê?” Ela relacionou os índices ao impacto histórico e atual do racismo, afirmando que “ele é o principal desencadeador de sofrimento físico e é por isso que também estamos nesses índices”.

Ao discutir a construção dos diagnósticos na saúde mental, a psicóloga destacou que os modelos hegemônicos foram formulados fora das realidades negras. Afirma que o transtorno mental é uma desordem mental. “Se é uma desordem, é porque existe alguém dentro da ordem. E nessa ordem estão homens brancos, norte-americanos e europeus.” Ela lembrou que os efeitos desse processo são profundos, citando que “a memória colonial, de inferioridade, de que não somos pessoas, somos coisas, de que não temos inteligência, que não somos bonitos… Tudo isso perdura até hoje.”

A trajetória da psicóloga rompe ciclos históricos de exclusão, por ser a primeira mulher em uma comunidade com mais de 100 anos a se formar na universidade. Ela reforçou que sua caminhada é parte de um esforço coletivo, dizendo que “fomos entendendo e encontrando outras pessoas para construir esse saber”.

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