Notícias
Semana do Patrimônio - Ilú, o Som do Sagrado: tambor ecoa no Mercado Público do Rio Grande
24/08/2025
Compartilhe esse conteúdo:
Compartilhe:

O Mercado Público do Rio Grande foi aberto, excepcionalmente, sábado à tarde (23), e se transformou em palco de memórias, saberes e sons ancestrais. No local, religiosos de matriz africana, a maioria tamboreiros jovens e anciãos, além de professores e estudantes da Furg, se reuniram na roda de conversa “Ilú, o Som do Sagrado”. O encontro abriu espaço para refletir sobre a importância do tambor — símbolo de resistência, espiritualidade e comunicação — dentro e fora dos terreiros.
O termo Ilú, de origem iorubá, não é apenas um instrumento, mas a primeira forma de comunicação entre os povos. Nas religiões de matriz africana, quem toca o tambor é chamado alabê — o tamboreiro responsável pelos toques rituais e pela manutenção dos atabaques, instrumentos sagrados que marcam o ritmo das rezas e danças. Esses e outros conhecimentos foram compartilhados durante a roda de conversa. Mestres do tambor dividiram suas experiências sobre a arte de tocar e cuidar desses instrumentos. Falaram sobre a influência da Internet no aprendizado, as transformações no ritmo dos toques e a necessidade desse tipo de encontro para garantir a continuidade da tradição.
Vozes da experiência
A roda ganhou emoção especial com a presença de Luiz Carlos Goulart da Trindade, 78 anos, um dos mais antigos tamboreiros do Rio Grande. Envolvido com o toque do tambor desde os nove anos, ele recordou mudanças significativas ao longo do tempo. “O batuque foi feito pra dançar. Se ele for acelerado, não tem como. Quando isso acontece, não se dança direito, nem se entende o fundamento da reza.”
Apesar das dificuldades atuais e de outros ritmos sendo introduzidos na antiga tradição, Luiz Carlos reforça a importância da transmissão oral e prática: “O segredo é o encontro, dos mais velhos passando para os mais novos. A raiz familiar não pode se perder.” As tradições de sua família têm sido preservadas e como músico e tamboreiro, ele segue tocando na cidade do Rio Grande, em Porto Alegre e até fora do país. “Onde chamarem, eu vou”, disse com orgulho, que estava acompanhada no local por sua filha que também é ialorixá.
Mais jovem, o tamboreiro Marcos Lacerda, 32 anos, conhecido como “Marcos de Xangô”, manifestou como o toque do tambor mudou ao longo das décadas. Para ele, a cadência é outra. “Hoje tocamos algo como opção para disseminar o que eles (os mais velhos) faziam antigamente. Nosso toque é algo parecido, mas não é igual”. O jovem tamboreiro ainda acredita na recuperação do que se tocava em outras épocas, e rodas de conversa como essa que participou servem para trocar ideias, aprender e avançar nesse resgate histórico. “Ainda temos muito o que fazer. Basta perceber o ‘mestre’ Luiz Carlos, a forma que ele toca e como tocamos hoje... É completamente diferente”, comparou.
Marcos de Xangô comentou sobre o uso da Internet nesse meio. Disse que tem o lado bom e o lado ruim. Alega que há mais informação, se conhecem pessoas de outros lugares e se trocam conhecimentos. “Essa é a parte boa. Mas a parte ruim é que vemos muita deturpação, estrelismo, e muita coisa que não condiz com a religião de matriz africana”, reclamou.
Convivendo desde a infância dentro de um terreiro, ele alegou que é dessa maneira que se aprende a origem dos ritmos do tambor: “Temos um entendimento melhor, um discernimento melhor do que é ser religioso e da importância do tambor para a religião de matriz africana”.
Essa roda de conversa integrou a Semana do Patrimônio, que celebra os 162 anos do Mercado Público do Rio Grande, e faz parte do projeto “Ilú, o Som do Sagrado”, contemplado pela Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura - PNAB. De acordo com o organizador da atividade, tamboreiro Cláudio Adão da Luz, 51 anos, o projeto prevê ainda uma segunda roda de conversa, prevista para setembro, desta vez reunindo babalorixás, para tratar da presença dos tamboreiros dentro dos terreiros. Além disso, vão ser produzidos quatro vídeos institucionais que serão divulgados em plataformas digitais.
Ele avaliou como extremamente positivo o primeiro encontro. Disse que muitos assuntos surgiram espontaneamente, além do que haviam planejado. Ao ser indagado sobre o futuro do tambor, argumentou que, “assim como a nossa religião é passada oralmente, o tambor é passado de coração”.
Para ele, tocar tambor, rezar, é o coração da pessoa. Não acredita que a tradição do tambor esteja se perdendo, porque “ainda estamos aqui para lutar e manter a tradição...” Avalia que esse sentimento não é só de rio-grandinos, mas de outros tamboreiros pelo país inteiro.
Reconhecimento
A diretora da Fototeca Municipal, Giane Atallah participou da roda de conversa. Antes do encerramento, foram entregues certificados a tamboreiros e apoiadores que preservam as tradições de matriz africana. Entre os homenageados estava o coordenador municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Chendler Siqueira. O final da roda de conversa trouxe a síntese de todo o encontro: o toque do tambor, executado no Assento do Bará, no centro do Mercado Público, lembrando que o som do sagrado continua a ecoar, unindo passado e presente.
Compartilhe:
de
10